|ARTIGO| 10 QUESTÕES PARA UMA ANÁLISE CRÍTICA DA MINERAÇÃO NA BAHIA
1 – O histórico de invasão-ocupação presente no processo de formação do território brasileiro deixou como legado uma estrutura de propriedade privada das mais concentradas e desiguais do mundo, conforme comprovação dos dados dos Censos Agropecuários (1940, 1960, 1970, 1995 e 2006). O Índice de Gini da distribuição da propriedade da terra no estado da Bahia, calculado com base no Censo de 2006, revela que 283 (70%) de seus 417 municípios estão entre 0,701 a 0,900, classificados como de “Forte a Muito Forte” e 19 (4,55%) estão entre 0,901 e 1, classificados como de “muito forte a absoluto”. Portanto, a violência com os povos originários e as populações do campo se inicia muito antes de qualquer prospecção ou mesmo extração mineral contemporânea e faz parte desta história. Atualmente, tem-se o registro de mais de 160 municípios baianos, onde são extraídas mais de 40 substâncias minerais, em 440 concessões de lavra (2016). Na Bahia existem por volta de 19 mil processos minerais cadastrados na base do SIGMINE (DNPM) e, atualmente, o Estado é líder nas solicitações de autorização de pesquisa mineral no Brasil;
2 – A partir de um levantamento sistêmico de informações trabalhadas pelo GeografAR/UFBA, coletadas por mais de vinte anos de caminhada junto a diversas instituições, movimentos sociais, em conjunto com as informações coletadas empiricamente, a respeito da multiplicidade das Formas de Acesso à Terra na Bahia identificadas na luta e às situações vulneráveis que elas se encontram, temos o mapa da invisibilidade contendo: 595 comunidades Fundo de Pasto; 237 Colônias/associações de Pescadores; 973 Quilombos identificados e destas 651 com certificação na Fundação Cultural Palmares; 523 Assentamentos de Reforma Agrária e apenas 28 povos Indígenas, muito poucos em seus territórios demarcados. Estes grupos sociais não são um fantasma do passado, nem peça arqueológica de museu, muito menos excentricidades ou relíquias históricas, mas projeto de modo de vida do presente que resistiu e de futuro que resistirá lutando por seus territórios ancestrais que lhes pertencem, junto a natureza. É sobre os vários territórios-abrigos destas populações que sobrepõem os almejados territórios-extrativos-minerais na Bahia;
3 – Mapeando alguns exemplos concretos de conflitos ocorridos no estado da Bahia durante os processos de extração mineral, alguns demasiadamente notificados e que submetem populações do campo e comunidades tradicionais a graves situações de violações de direitos socioambientais, portanto, territoriais: o amianto, em Bom Jesus da Serra, com mortes, doenças, pessoas enfermas, e muito sofrimento; a extração e o processamento de chumbo em Boquira e Santo Amaro da Purificação como um exemplo do ideário de um capital voraz e ávido por leis flexíveis para práticas econômicas que ignoram o cuidado com os recursos naturais e com a população; a exploração de urânio em Caetité, monopólio do Governo Federal, com conflitos de radiação nuclear, águas contaminadas, derramamentos de rejeitos, uso de pesquisas científicas tendenciosas sobre a nocividade das atividades; a ausência de unidades hospitalares especializadas em oncologia na localidade, além de um outro conflito que se iniciou com o desenvolvimento da mina de ferro da BAMIN, empreendimento relacionado a construção da Ferrovia Oeste-Leste e do Porto Sul, em
Ilhéus; em Jaguarari, registra-se a mina de cobre, quase exaurida ao longo dos 43 anos de atividade mineral, em um município líder em arrecadação de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) na Bahia em 2015, mas ainda marcado pela pobreza e desigualdade socioespacial nos quilombos e fundo de pastos; Campo Formoso com extrações de calcário, cromita e ferro; Senhor do Bonfim com denúncias de negação ao acesso à água de uma barragem que está em posse de uma mineradora; Campo Alegre dos Lourdes, na divisa com o Piauí, onde se verifica a intensificação da mineração de fosfato. Até o presente momento há registros em, aproximadamente, 50 municípios na Bahia em que grupos sociais estão em conflito com esse modelo mineral, uma lista que se acrescentam os municípios de Andorinhas, Barra do Mendes, Barrocas, Brumado, Cansanção, Cordeiro, Gentil do Ouro, Irecê, Juazeiro, Lapão, Licínio de Almeida, Maracás, Miguel Calmon, Monte Santo, Nordestina, Oliveiras dos Brejinhos, Piripá, Rui Barbosa, Simões Filho, Xique-Xique, entre outros. Registra-se então uma dimensão dos conflitos do passado, mas ainda latentes na contemporaneidade, conflitos da atividade no presente e a manifestação da violência nos futuros territórios-extrativos. Esse é o modus operandi dos territórios extrativos na Bahia, sobrepondo os territórios abrigos das populações do campo e das comunidades tradicionais com amputações e espoliações territoriais;
4 – Observando ainda a contínua presença do êxodo rural, com fechamentos de escolas do campo, com as denúncias nas relações de trabalho degradantes e análogas à escravidão, frente a retrocessos na nova Consolidação das Leis Trabalhistas, momento de criminalização de movimentos sociais, judicialização de lideranças comunitárias, de conflitos armados, com ameaças e mortes por disputa territoriais no campo pela apropriação dos bens da natureza por terra, água, ar (eólicas) e subsolo (mineração). Essa conjuntura de terror imposta não é favorável às populações do campo, ficando ainda mais vulneráveis em momentos de crise econômica e política. A atividade mineral chega como mais um elemento de perturbação e mesmo de desordem territorial vigente;
5- Tendo a cognição sobre o que representou o Estado-Nação desde sua gênese, servindo primeiramente ao capital financeiro, mas com discursos do “interesse nacional”, o setor mineral oferece inúmeros exemplos que não corroboram com o interesse da coletividade. O avanço do Plano Nacional da Mineração 2030, sem participação popular, foi uma ferramenta desenvolvida para nortear as políticas de médio e longo prazo cujas estratégias preveem triplicar a produção minerária no Brasil. Os territórios extrativos contam com forte apoio estatal, desde isenções tributárias, melhorias na infraestrutura e fornecimentos de água e energia, suplantado por um modelo de desenvolvimento econômico predatório e seletivo. Em 2017, iniciou-se o desenvolvimento da Política Mineral do Estado da Bahia, que “visa apoiar e incentivar ações na promoção de atração de investimentos minerários”;
6 – A partir da compreensão de que toda elaboração jurídica normativa implantada sempre esteve vinculada ao sistema político e ideológico dominante de cada época, compreende-se a manutenção da estrutura de dominação de uma classe sobre outra. A exemplo, pode-se citar o princípio da precedência na mineração, que significou “quem chegar primeiro
registra um território-mineral” e que sempre beneficiou uma pequena parcela da população que tem condições de assim desenvolver algum projeto técnico-científico e financeiro. A Ciência Jurídica, Geológica e Cartográfica, juntas no processo de consolidação de territórios-minerais, se tornam demasiadamente complexas e seletivas para a maior parte da sociedade. Na Bahia conta-se com o auxílio da Companhia Baiana de Pesquisa Mineração (CBPM), órgão do governo do estado que serve ao setor extrativo mineral;
7 – Entendendo que os representantes políticos eleitos não representam a maioria da população brasileira, pois os domínios são das grandes bancadas de políticos financiados no Congresso Nacional com forte correlação com os proprietários de terra, empresários do agronegócio, do setor mineral, da indústria da celulose, de setores estratégicos de comunicação, da indústria do armamento, entre outros; estando os negros, os indígenas, os povos tradicionais e do campo subrepresentados. Em plena campanha presidencial de 2018 verifica-se a ausência de propostas e debates, da maioria dos partidos políticos, sobre a questão mineral, seu modelo de desenvolvimento, valores de arrecadação e as questões relacionadas a natureza e a sociedade; isso demonstra o vazio do debate sobre questões importantes de um setor que explora recursos não renováveis;
8 – Com base na Teoria da Dependência na América Latina e tendo o conhecimento dos dados referentes a pauta exportadora brasileira recente, na qual a mineração está amplamente relacionada e corrobora com a balança comercial, acrescentando que as principais reservas de ferro do país, outros minerais estratégicos (nióbio, vanádio e terras raras) e as pedras preciosas são destinadas aos países desenvolvidos, critica-se diretamente o modelo econômico adotado pelo Brasil, em que se privilegiam o fornecimento de recursos naturais não renováveis para outros países, EUA e China principalmente. Sem focar na questão financeira, pois entraríamos na valoração da natureza, os preços de vendas são muito baixos e todos definidos na escala global, longe de onde são explorados no subsolo;
9 – Sobre os incontáveis discursos catalogados na Hemeroteca do GeografAR/UFBA, proferidos por políticos e/ou representantes de órgãos públicos ligados ao setor mineral, como uma célebre frase que “a riqueza do semiárido está em seu subsolo”, e compreendendo as outras diversas artimanhas utilizadas na publicidade com dados superlativos e ou defesas sobre o progresso, sobre desenvolvimento, a geração de emprego e renda para as localidades, além das promessas de reduções da pobreza, mas que na realidade não se comprovam conforme planejamentos. Os dados sobre o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) revelam que aportes financeiros de uma mineradora aumentam o quesito renda local, elevando PIB per capita. Isso não quer dizer, diretamente, que foi distribuído mais renda para a população, visto que os cargos majoritários são poucos e destinados a pessoas especializadas e os maiores contingentes são contratados apenas na primeira fase do empreendimento. Os índices de escolaridade e o acesso a saúde nas diversas localidades mineradoras na Bahia estão ainda a desejar em inúmeros fatores. É fácil demonstrar como inúmeros municípios com histórico minerador ainda permanecem em situações sociais vexatórias que nenhuma empresa transformou para melhor;
10 – Verifica-se a completa inexistência de diálogo junto à população brasileira, que nunca foi convocada ou estimulada a dialogar e definir os rumos das extrações minerais neste País. Não se tem registro de algum momento em que houve grande discussão em nível nacional, muito menos pensando em aspectos da cidadania, dos direitos democráticos e da verdadeira soberania nacional, lembrando que, períodos democráticos foram quase exceção em toda a história e constituição desse Estado-Nação bradado por ser “bonito por natureza”.
Considerando apenas essas dez questões, mediante tantas outras que podem ser elaboradas sobre a conflituosidade da extração mineral, conclui-se que esse enfrentamento entre desiguais nos coloca muitos desafios a serem encarados na jornada por um verdadeiro BRASIL SOBERANO E SÉRIO!!
GUIOMAR GERMANI
LUCAS ZENHA ANTONINO
Artigo publicado no endereço eletrônico:
http://mamnacional.org.br/2018/10/01/artigo-10-questoes-para-uma-analise-critica-da-mineracao-na-bahia/