Não é fantástico? por Tiago Rodrigues Santos

Não é fantástico?

Tiago Rodrigues Santos[1]  

 

Após a reportagem do Fantástico, no dia 3/01, sobre a “farra na reforma agrária”, fui interpelado por colegas e alunos sobre o assunto. Entre as leituras possíveis, penso que o essencial omitido pela matéria seja a lógica por trás das irregularidades citadas.

Prioritariamente, ressalto a secular e proposital “má gestão” das terras no Brasil. A Lei de Terras de 1850 determinava, entre outras coisas, que as terras que não tivesse doação comprovada pela Coroa deveriam ser devolvidas ao Estado. Porém, nunca houve um levantamento profundo que nos permitisse conhecer a malha fundiária dos estados e da União,  e o que vemos é a apropriação privada do bem comum. Não por acaso, é no andamento dos processos de desapropriação que encontramos títulos viciados ou incompatíveis com as terras ocupadas pelos latifundiários. Não parece, mas é a luta pela reforma agrária que fiscaliza as terras no Brasil.

Depois, destaco o desmantelamento dos órgãos ligados à fiscalização e gestão das terras, a exemplo do INCRA e da CDA. Só para ter ideia: segundo dados do sindicato dos servidores do INCRA, em 1987 havia 10 mil profissionais para o trabalho de fiscalização de terras e gestão dos 67 assentamentos existentes; todavia, em 2014, quando havia mais de nove mil assentamentos, a autarquia contava com pouco mais de cinco mil servidores. Já a CDA, órgão responsável pela regularização fundiária e pela identificação das terras devolutas do estado da Bahia, tem atuado com poucos funcionários, em sua maioria contratados, o que compromete qualquer tentativa séria de fiscalização.

A lógica da gestão das terras do Brasil continua obedecendo aos interesses das classes dominantes do campo, que não terão seus estabelecimentos fiscalizados, não serão objetos de difamação no Fantástico – como foi a reforma agrária - e, com o apoio e/ou omissão do Estado, poderão continuar livres para se apropriar privadamente de mais porções da natureza. Não é fantástico?

 

[1] Professor da UFOB e pesquisador do GeografAR-UFBA. tiagociso@hotmail.com