Projeto Especial de Colonização Serra do Ramalho

O PEC Serra do Ramalho foi implantado, em 1973, num período da história brasileira em que o Estado se dedicava a executar grandes projetos de assentamento, principalmente na região amazônica. Assim, seguiu a mesma lógica, em termos de planejamento espacial, de outros projetos realizados naquele período: caracterizou-se como um grande projeto em área contínua, fracionado em parcelas individuais, organizadas de forma linear e simétrica. O tamanho das parcelas foi determinado pelo módulo da propriedade rural para a região, repetido nos planos sobre as mesas dos escritórios, lado a lado, até preencher toda a área. Na mesa dos técnicos, o espaço era tratado como se fosse homogêneo; reproduziu-se um “modelo ideal” quanto às características de solo e de relevo e, quando levado para a realidade, era esta que deveria se adaptar ao modelo, e não o contrário.

Organizado em 23 agrovilas, com lotes para moradias e parcelas rurais, destinou-se, inicialmente, a reassentar a população expropriada pela construção da Usina Hidroelétrica de Sobradinho. Contudo, acabou por ser oferecido a quem se interessasse e se submetesse a adaptar-se ao “enquadramento” do espaço e da situação.

Foi o último projeto de colonização realizado pelo Estado da Bahia. Os pressupostos teóricos de sua concepção reproduziram e deixaram plasmados, em suas formas espaciais, o conteúdo social daquele período histórico e a forma autoritária e compulsória praticada pelo regime militar. Não obstante, foi significativo o fato de que, em dezesseis anos, tenha conseguido arregimentar forças políticas que o levaram a emancipar-se de seus municípios de origem, constituindo-se no Município de Serra do Ramalho.

É este segundo momento, quando é submetido a uma nova estrutura de poder que interessa à continuidade do estudo dessa área, acreditando que a mesma esconde, ainda, muita riqueza para a "exploração geográfica”: um momento diferenciado no processo que permite identificar, com mais clareza, as novas formas de arranjo do espaço, percebendo como uma área foi planejada e dividida de forma simétrica e como, ao ser emancipada, esta simetria rompeu-se. As terras, antes "indesejadas" passam por um processo de valorização. Ao lado de lotes sem nada plantado, encontram-se lotes com plantações de sequeiro, criação de gado e aparecem propriedades que utilizam a irrigação. Como se movem as cercas e, ao mesmo tempo, como vão se estruturando as novas relações de poder, agora, em outro nível, não mais como associação ou cooperativa, mas como poder político instituído. São questões que continuam sendo  acompanhadas.

Apareceu nesta área, outra questão que exigiu um aprofundamento analítico no processo de construção da nossa metodologia de leitura geográfica. Quando a área foi oficialmente transformada em PEC Serra do Ramalho, o Estado, em seu planejamento, considerou-a como o "marco zero" de sua história, e a mesma não só foi tratada como homogênea, como também sem ocupação anterior. Destaca-se que havia muitas famílias que, há muito tempo, ocupavam as margens do rio São Francisco — os ribeirinhos — populações tradicionais de pescadores aos quais foram oferecidos os lotes do Projeto para onde foram forçados a se deslocar. Alguns resistiram e não saíram, outros, porém, cederam e rapidamente voltaram ocupando áreas que estavam destinadas à preservação permanente, desencadeando um "problema" ambiental e social que precisou ser enfrentado no processo de emancipação.

A resistência organizada das comunidades de ribeirinhos culminou com o reconhecimento de seus direitos. A Comissão de Emancipação do PEC Serra do Ramalho recomendou a criação de Projetos de Assentamento Extrativista para as áreas remanescentes de preservação permanente efetivamente ocupadas por populações ribeirinhas. Assim, foi constituído o Projeto de Assentamento Agroextrativista São Francisco – PAE São Francisco, com o objetivo de regularizar a situação fundiária das populações tradicionais de pescadores. Estes estão organizados, de forma coletiva, na central das associações dos moradores que é responsável pela gestão de todo o projeto, o qual foi elaborado pelos moradores, aprovado pelo INCRA e referendado pelos órgãos ambientais.

Fato semelhante ocorreu com os índios Pankaru que habitavam a área e foram enquadrados como “assentados” na agrovila 19. Só recentemente, cerca de quartoze famílias pankarus tiveram sua aldeia Vargem Alegre transferida do “centro” para a “boca” da mata de Serra do Ramalho.

Portanto, cabe entender como o Estado, na rigidez de seu planejamento, ao intervir no espaço, sem levar em consideração a dinâmica que o produz, acaba por ter, em outro momento do processo, que rever, admitir seus equívocos e se dobrar diante das forças dos movimentos sociais organizados. Três espaços distintos numa mesma área de planejamento onde a interação entre processos sociais e espaciais é de uma transparência exemplar para a leitura geográfica pretendida (imagem).

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