Seminário da UFBA lembra assassinato de 'Marcus Matraga' e aborda violência no campo

A Hora e a Vez de Marcus Matraga: a violência no campo e os conflitos agrários no Estado da Bahia
Notas sobre o assassinato do professor e militante de Direitos Humanos, Marcus
Vinicius de Oliveira (Marcus Matraga)
 
Crime 
No dia 4 de fevereiro de 2016, o psicólogo e professor aposentado da UFBA, MarcusVinícius de Oliveira Silva, 58 anos, conhecido como Marcus Matraga, foi executado com um tiro na cabeça, na comunidade de Pirajuía, distrito do município baiano de Jaguaripe.
 
Na noite do assassinato, por volta das 19h, Matraga foi chamado no sítio em que vivia por um homem que se identificou como neto de uma amiga dele, que passava mal e necessitava de ajuda. Quando saiu para socorrê-la foi interceptado por outros três homens, rendido e executado em uma estrada vicinal nas redondezas. Passados seis meses, o inquérito segue sob o sigilo da polícia e as investigações ainda estão em andamento. Até o momento ninguém foi formalmente responsabilizado pelo crime.

 

 

Morre um defensor de Direitos Humanos

Professor aposentado da UFBA e militante da Luta Antimanicomial, Marcus Vinícius foi um incansável defensor de Direitos Humanos, destacando-se como importante liderança da Luta Antimanicomial no Brasil. Neste campo de atuação, contribuiu para fazer avançar as formas de cuidado psicossocial aos portadores de transtorno mental compatíveis com o avanço da Reforma Psiquiátrica no país.

Em Pirajuía, por seu histórico de defesa da comunidade frente à destruição do manguezal e de enfrentamento, por vias legais, da grilagem de terras ali, o professor, que foi ameaçado de morte várias vezes, sabia que sua presença representava um obstáculo aos interesses sustentados à base da violência na comunidade. Com sua morte, no dia 4 de fevereiro, o número de assassinatos em Pirajuía passou a 04, num intervalo de três meses. Numa comunidade que não chega a ter um contingente populacional de 05 mil habitantes, o número é alarmante.

O seu assassinato está entre os casos que justificaram o informe feito pelas entidades Justiça Global, Terra de Direitos, Conselho Indigenista Missionário, Comissão Pastoral da Terra, Artigo 19 e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre o alarmante número de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos assassinados nas regiões norte e nordeste do país nos dois primeiros meses do ano de 2016[1].

 

Pirajuía

Pequeno agrupamento humano como tantos outros da Bahia, as especificidades do local que o Marcus Vinicius escolheu para viver estão fincadas sobre o passado da escravidão em seus primórdios no Brasil. O município de Jaguaripe, do qual a Pirajuía é distrito, orgulha-se de ter sido a primeira vila do Recôncavo Baiano. Dos seus distritos, a Pirajuía é o mais antigo. Apesar desta positividade histórica, a força da negatividade ainda pesa na comunidade: os efeitos sociais da pertença negra num país marcado pelo racismo; a sua dura realidade econômica: a frágil presença do Estado e do exercício da cidadania; e aquilo que o professor Marcus Vinícius vinha chamando de “privação sígnica” – algum tipo de causa-efeito dos sujeitos sociais condicionados às suas próprias referências e oportunidades na arquitetura e dinâmica sociais.

Atualmente pescadores e marisqueiras vivem sob o risco de ter comprometida a sua principal forma de sustento por ocasião da instalação de empreendimentos de carcinicultura na comunidade. Este tipo de empreendimento já foi alvo de duas ações de embargo pelo IBAMA, uma delas tendo sido protagonizada na comunidade pelo professor.

 

 

Competência do Estado e mobilizações em torno do caso

Desde o dia 04 de fevereiro que pessoas amigas, companheiras de militância, colegas de profissão, familiares, coletivos, instituições e movimentos sociais do Brasil e da América Latina estão em incansável mobilização para cobrar que o brutal assassinato do Marcus Vinicius seja devidamente esclarecido e que a justiça lhe seja feita. A sua morte representa uma grande perda para os campos da Psicologia brasileira e latino-americana, para o campo da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial brasileira, para o campo das Políticas Públicas sobre Álcool e outras Drogas e para o campo de defesa dos Direitos Humanos em geral. Além disso, a sua morte é reveladora de um complexo contexto de violência local, que atualmente segue vitimando toda a comunidade de Pirajuía.

Dentre outras ações que têm tido efeito no processo de acompanhamento das investigações do assassinato, foram entregues duas cartas abertas a autoridades do Estado da Bahia, assinada por dezenas de instituições, entre as quais os Conselhos de Psicologia de diversos estados brasileiros, a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, a Reitoria da Universidade Federal da Bahia e o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, chegando às mãos do governador Rui Costa, dos secretários da Segurança Pública, de Meio Ambiente e de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, da presidente do Tribunal de Justiça, da Procuradora-Geral de Justiça e do presidente da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/BA). As cartas cobram agilidade nas investigações policiais sobre o crime e informam sobre o contexto de violência associado ao assassinato do professor na comunidade em que ele vivia. Recentemente foi formado também o “Comitê Internacional de Acompanhamento das investigações sobre a morte do Marcus Vinicius”, com representações de entidades de Psicologia de diversos países da América Latina.

 

 Questão agrária

A comunidade de Pirajuía se encontra a cerca de 17 quilômetros do Estaleiro Enseada do Paraguaçu, empreendimento ligado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e à Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA). Esta obra, embora tenha tido as suas atividades paralisadas em 2015, já tem emitido sinais de retomada[2], mobilizando interesses políticos e econômicos naquela região. Pela comunidade passa a principal estrada que liga o Estaleiro Enseada do Paraguaçu à BA-001, importante via de acesso ao Porto de Ilhéus. Nesse contexto, há grande expectativa de retomada dos fluxos de capital na região, conformando, junto com os “baixos” preços das terras por ali e com a potencial abertura de novos mercados, o complexo cenário do assassinato de Marcus Vinícius e de aumento da violência na comunidade de Pirajuía.

O professor ficou conhecido na comunidade também por ter acionado o IBAMA e ter se interposto entre o manguezal e a instalação de tanques de carcinicultura por lá há alguns anos. Esta foi a segunda vez que este tipo de empreendimento fora interditado por órgão de proteção ambiental na comunidade. Embora seja uma área da aquicultura bastante rentável, este tipo de empreendimento traz consigo uma série de impactos sociais e ambientais[3] negativos, recaídos, via de regra, sobre os moradores locais. Conforme informações do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), autarquia estadual responsável pela proteção da biodiversidade, o processo de licenciamento ambiental para este tipo de empreendimento na região foi completamente suspenso.

O assassinato do Marcus Vinicius, assim, longe de ser um crime que se encerrou com a sua vida, tem sido um crime que segue à sua morte, trazendo a insegurança e o medo às pessoas que vivem em Pirajuía. O que se revela ao longo desses 06 meses da sua morte é que a sua execução foi apenas o início, uma condição para a implementação de um projeto na comunidade, sustentado à base da violência. Atualmente os moradores de Pirajuía têm assistido à construção do que supostamente será um grande empreendimento de carcinicultura em terreno ao lado da propriedade do Marcus Vinícius, chegando até a borda do manguezal - que em vida ele tanto protegeu. Nesse contexto, moradores já foram ameaçados de perderem as suas terras e de morte, circulou na comunidade a notícia de uma lista de próximas mortes tão logo “baixasse a poeira” do seu assassinato, gerando por lá um clima de insegurança e terror. O INEMA, em parceria com a polícia, atualmente está apurando esta situação.

 

 

Seminário A Hora e a Vez de Marcus Matraga: a violência no campo e os conflitos agrários no estado da Bahia

No dia 31 de agosto, em solenidade promovida pela Reitoria da Universidade Federal da Bahia por ocasião dos 06 meses do assassinato, será realizado o seminário “A hora e a vez de Marcus Matraga: a violência no campo e os conflitos agrários no estado da Bahia”. O evento reforça o fato de que um defensor de direitos humanos foi assassinado em contexto de conflito agrário, agravado após a sua morte, na comunidade de Pirajuía – Jaguaripe/BA. Assim como Pirajuía, muitas comunidades do estado da Bahia têm sofrido atualmente com o aumento da violência no campo e com a violação de direitos em conflitos ligados à questão da terra/território. O evento contará com a representação de organizações que fazem o enfrentamento deste tipo de questão, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR) e o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).

Programação

18:00 – 18:20 – Abertura 

Reitor João Carlos Salles

18:20 – 19:00 - Fala de abertura: A hora e a vez de Marcus Matraga - memórias de uma longa história na defesa dos Direitos Humanos

Convidada: Marta Elizabete de Souza – coordenadora Estadual de Saúde Mental/MG, militante da Rede Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA

19:00 – 19:20 - O “Professô” e a Pirajuía: Coração híbrido

Exibição do curta: Sambajuía ou Samba de Fia

19:20 – 20:35 - Mesa: O assassinato do professor Marcus Vinicius e o seu contexto - a violência em comunidades tradicionais pesqueiras, seus impactos sociais e ambientais

Convidados (a):

Mauricio Teles Barbosa - Secretaria da Segurança Pública/BA               

Caio Valace - Família do professor Marcus Vinicius                                                         

Miguel da Costa Accioly – Projeto Maricultura Familiar Solidária/ MARSOL - Instituto de Biologia/UFBA

Elionice Sacramento - Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais/BA

Mauricio Correia - Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais – AATR/BA

20:35 – 20:50 - Mística: Clamor da Terra

Núcleo de Estudos e Práticas em Políticas Agrárias – NEPPA (a confirmar)

20:50 – 21:20 - Fala de encerramento: A questão agrária no estado da Bahia: entre a defesa de direitos e a violência

Convidada: Tatiana Dias Gomes – Comissão Pastoral da Terra – CPT/BA / Faculdade de Direito/UFBA

[1] Portal Justiça Global. Brasil tem número alarmante de defensores de direitos humanos mortos em 2016. Disponível em: http://www.global.org.br/blog/brasil-tem-numero-alarmante-de-defensores-de-direitos-humanos-mortos-em-2016/. Último acesso em 04 de julho de 2016.

[2] Portal Tribuna da Bahia. Grupo pode trazer de volta Estaleiro Paraguaçu. Disponível em: http://www.tribunadabahia.com.br/2016/06/04/grupo-pode-trazer-de-volta-estaleiro-paraguacu. Último acesso em 20 de junho de 2016.

Portal O Petróleo. Urgente! Reativação de Estaleiro vai gerar milhares de empregos. Disponível em: http://m.opetroleo.com.br/urgente-reativacao-de-estaleiro-vai-gerar-milhares-de-empregos/. Acesso em 20 de junho de 2016.

[3] Portal Ciência e Cultura. Cultivo de camarões em manguezais ameaça fauna e flora. Disponível em: http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/noticias/destaques/cultivo-de-camaroes-nos-manguezais-ameaca-a-fauna-a-flora-e-o-homem/. Último acesso em 20 de junho de 2016.